Mariana Cunha
Cláudia Mesquita
Tânia Caliare
.
Rádios comunitárias ou rádios piratas? Liberdade de expressão ou clandestinidade? Democratização dos meios de comunicação ou ação criminosa capaz até de derrubar aviões? Não tem sido fácil, pelo menos para as autoridades brasileiras, resolver essas questões, o que coloca em dúvida a competência dessas autoridades para administrar um serviço público, essencial e básico do sistema de radiodifusão. A lei 9.612, que regulamenta o serviço de rádios comunitárias, chegou, em fevereiro de 1998, trazendo a expectativa de encontrar respostas claras para essas perguntas e promover uma efetiva democracia nos meios de informação.
.
Mas como acontece tantas vezes, a legislação específica não resolveu e, ao contrário, provocou um grande “imbroglio” no setor. A nova legislação está sendo contestada abertamente, tanto quanto à sua eficácia como quanto à própria legitimidade. Com um complicador recente: setores ligados as áreas de segurança têm fortes suspeitas de que algumas rádios servem de comunicação entre narco-traficantes nos morros do Rio.
O problema vai além da questão da democratização das comunicações no Brasil. Há ainda um pequeno “detalhe aritmético” que tem tirado o sono dos responsáveis pela aplicação da tal lei 9.612, que pretenderia uma “legalização” no assunto. Segundo o assessor do Ministério das Comunicações, Eduardo Balduino, já se encontram no ministério cerca de 6.000 pedidos de “Licença para Funcionamento de Estação”, documento que habilita a atuação de uma rádio comunitária.
Desde agosto deste ano, quando começaram a ser liberados os primeiros pedidos, apenas 50 chegaram à apreciação do Congresso Nacional, como prevê a legislação. Chegando lá, os pedidos das emissoras passam ainda pelo crivo da Comissão de Ciências e Tecnologia, depois pela Comissão de Constituição e Justiça, para então serem votadas no Plenário. Caso fossem aprovadas, vão para a votação no Plenário. Caso forem aprovadas, vão para a votação no Senado. Uma tramitação burocrática para país nenhum botar defeito, nem mesmo os da extinta URSS. Neste ritmo, as emissoras que desejam oferecer o chamado “Serviço de RadCom” só estarão devidamente legalizadas por volta do ano 2020. Enquanto não for aprovada no “vestibular do legislativo”, a rádio que funcionar sem concessão e desrespeitar os limites previstos na lei é considerada clandestina e deve ser lacrada. É o que está na lei, e ponto final.
Portanto prevê-se novas dores de cabeça para os responsáveis pelo cumprimento dessa lei, e uma ameaça constante pairando sobre as cabeças dos radialistas comunitários, que a qualquer momento podem ouvir alguém batendo à porta e dizendo: “abra! É a Anatel!”. Ou seja, é a polícia!
A Agência Nacional de Telecomunicações, órgão responsável pela fiscalização do serviço de radiodifusão comunitária em todo o território nacional, já lacrou só neste ano 3.882 emissoras que funcionavam sem estar legalizadas. No Ministério das Comunicações, Eduardo Balduino diz que o governo espera resolver esta questão “ainda neste mandato”. E tenta uma justificativa: “Tivemos que montar uma estrutura no ministério especialmente para fazer essas avaliações, portanto, este ritmo é de implantação”.
O assessor acrescenta que, como essas rádios não possuem uma estrutura jurídica, muitas enviam pedidos incompletos ou com erros, o que atrasa ainda mais a liberação: “por isso fazemos também um trabalho de assessoria, trocando informações e dando a chance para que todos providenciem seus documentos corretamente”.
.
Abre e fecha constante
.
De acordo com o delegado da Anatel em São Paulo, Everaldo Gomes Ferreira, as emissoras são lacradas após serem detectadas interferências ou a partir de denúncias, e nem todas são da Abert, claro. A partir da denúncia é possível então encontrar a rádio e solicitar um mandado de busca e apreensão na Justiça. Mas a própria Anatel admite que também fecha rádios mesmo sem a decisão judicial.
Portanto, enquanto a Anatel fecha rádios clandestinas, do outro lado uma rádio reabre. Algumas simplesmente mudam de endereço e colocam sua programação no ar novamente. Além de desgastante para todos, esta situação tem empobrecido as emissoras. De acordo com o presidente do Fórum Democracia na Comunicação, José Carlos Rocha, cada vez que os equipamentos de uma rádio são apreendidos há um prejuízo médio de R$ 10 mil, além de deixar pelo menos dez pessoas desempregadas: “são numerosas as rádios nessa situação”, explica. Se contabilizarmos, desde o início deste ano o “mercado” de pequenas rádios ficou, em média, R$ 39 milhões mais pobre. Enquanto isso, o material apreendido fica amontoado nos salões da Polícia Federal.
.
Saída pelo judiciário
.
Uma saída que os líderes da RadCom vêm adotado é apelar para que o Poder Judiciário conceda liminares de funcionamento temporário até que as emissoras sejam legalizadas. Para isso, eles precisam convencer o juiz que não oferecem risco às aeronaves e provar que só não estão legalizadas devido à demora do governo federal para avaliar os pedidos.
Este tipo de recurso vem conquistando alguns adeptos no Judiciário, mas Eduardo Balduino, um impecável burocrata, contesta: “não é porque eles já entraram com o pedido que podem funcionar. É preciso ter a outorga do Ministério das Comunicações e a aprovação do Congresso Nacional”. Na realidade, o que nem Balduino, nem a maioria dos envolvidos com o problema consegue, é distinguir claramente quando uma rádio deve ser considerada “comunitária” e quando ela é simplesmente uma rádio pirata.
Segundo dados da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço), hoje já aproximadamente 14 mil emissoras de baixa potência no Brasil, 6 mil delas só no estado de São Paulo. De acordo com o presidente da Abraço de São Paulo, Ricardo Campolim, os números são calculados a partir da quantidade de transmissores vendidos no país. Porém, deste total, nem todas podem ser consideradas “comuni-tárias”.
Na opinião de Campolim, é preciso esclarecer a diferença entre as rádios piratas e as comunitárias para que a interminável ladainha do “abre e fecha” acabe. “Eu atribuo esta situação a um desconhecimento do nosso projeto e à confusão que fazem com as piratas”, diz. Ele explica que enquanto a RadCom possui uma gestão pública, ou seja, abre espaço para participação direta da população na programação, as piratas geralmente são administradas por um ou duas pessoas: “antes de fechar uma rádio, a Anatel teria que fazer um levantamento do seu perfil, sua organização e programação. Basta entrevistar as pessoas da comunidade”.