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terça-feira, 29 de abril de 2008

A TV pública que funciona
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Bruna Fioreti
Silvia Campos
Taíssa Stivanin
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No momento em que o Brasil possui uma nova TV pública na esfera federal, fomos buscar informações sobre esse negócio de televisão que, financiada em parte pelo governo, não chega a ser “chapa branca” - só para mencionar um termo refutado pelo presidente Lula, que convocou o jornalista Franklin Martins para tocar a idéia. Ao contrário: algumas das TVs públicas no estrangeiro exibem até programas com críticas ao governo que de alguma forma as financia. A conta também é paga, em várias nações, e em especial na Europa, pelo contribuinte, que desembolsa uma taxa anual para ver TV pública.
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Na Europa, a televisão foi, desde os primórdios do negócio em vários países, incluindo a Inglaterra da BBC, uma taxa pública. No Brasil, esse vício já nasceu abastecido pela publicidade - cabe ao telespectador consumir ou não. O hábito de não pagar para ver TV já surge como a primeira distância entre uma TV pública brasileira e a BBC, citada pelo ministro das Comunicações, Hélio Costa, como referencial do novo projeto. Daí porque o modelo da TV pública britânica não pode ser simplesmente transposto para a realidade brasileira. “Canais públicos internacionais são referenciais a serem considerados na ampla discussão que o momento exige”, fala a pesquisadora da Universidade de São Paulo e ex-TV Cultura Tereza Otondo.
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Na prática, a implantação da TV digital traz uma mudança a mais nos hábitos do telespectador: cada canal no controle remoto corresponderá a quatro sintonias. E será um desestímulo à audiência nos canais da rede pública, que pela lei deverão ficar entre o número 60 e 69, bem distante dos primeiros canais, destinados à TV comercial. “Assistir à TV é hábito e por isso a mudança de canal deve ocorrer de forma mais natural possível”, explica o pesquisador da USP Laurindo Leal Filho. “Com os canais públicos distantes dos comerciais fica difícil angariar a audiência das grandes redes de comunicação.” Audiência sempre foi problema para os canais públicos de televisão nacionais. Nem de longe, eles conseguem arranhar o ibope das emissoras comerciais. A TV brasileira mais bem-sucedida no quesito audiência, a TV Cultura, dificilmente passa dos 4 pontos, mesmo sendo invariavelmente a mais bem cotada quando o assunto é qualidade na programação, segundo pesquisas do Meio & Mensagem.
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De onde vem o dinheiro
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Falta de verba ou objetivos distintos? Cada especialista tem uma tese para explicar o fenômeno da baixa audiência da TV pública nacional. Mas muitos concordam que a supremacia das TVs comerciais no Brasil tem a ver com ambos: falta de programação atrativa e de dinheiro. “O ritmo da TV comercial é o de clipe e o povo já se acostumou, além disso, ela tem dinheiro e consegue, com isso, produção com muita qualidade técnica”, diz o professor Laurindo.O presidente da Radiobrás, Eugênio Bucci, sentenciou em artigo publicado em novembro de 2006, depois do primeiro fórum das TVs públicas: “Para a TV pública, só um caminho é possível: não competir com a televisão privada.” Seria, segundo Bucci, uma questão de foco. Sob esta lógica, caberia à TV privada entreter e à pública, os conteúdos ditos “chatos”, que não cabem na TV comercial.
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Mas isso não significa abdicar da audiência? “É possível fazer uma TV pública interessante, cheia de conteúdo concernente à sua missão, num ritmo diferenciado do modelo comercial, mas interessante, capaz de alavancar ibope”, defende Laurindo Leal. Para isso, diz, bastaria se apropriar da produção cultural já existente e divulgada em algumas TVs públicas do País, acrescentar faixas de vídeo e notícias de forma o mais isenta possível. Tudo com um financiamento misto, parte vindo do Estado e parte por apoio cultural, mas sem anúncios no intervalo.
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O financiamento das TVs públicas é uma decisão peculiar a cada país. No caso do Brasil, a rigor, todas as TVs são estatais, conforme diz Tereza Otondo, porque são parcial ou totalmente financiadas pelo governo. Nos anos 90, quando, no governo Mário Covas em São Paulo, aventou-se a possibilidade de se pagar uma taxa vinculada à energia elétrica destinada à TV Cultura, a proposta foi mal recebida pela sociedade.
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No exterior, essa espécie de imposto para a rede pública de comunicação vai bem em muitos países, até porque, em alguns, a audiência dos canais comerciais e públicos se equipara, tendo como referência dados de 2003. No caso do Reino Unido, a audiência da TV pública (46%) ultrapassa a da TV comercial (30%) e os outros modelos (24%). A rede pública britânica BBC é financiada por um imposto pago por todos os cidadãos. O pagamento pelo povo funciona no Canadá, nos Estados Unidos, na Alemanha, na França e na Itália, entre outros. Bem diferente do Brasil, diz Leal: “Dificilmente se pode aplicar modelos que exijam o pagamento de mais um imposto pelo povo em países menos abastados, como o nosso”.

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