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quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Leis de Imprensa: motivações torpes
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Nelson Varón Cadena
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Em 200 anos de imprensa tivemos cinco leis reguladoras, todas surgidas em tempos de conturbação política e com motivações inconfessáveis. Em comum, fora as filigranas jurídicas, o objetivo de restringir liberdades, ampliar punições e intimidar. As leis sancionadas atenderam interesses, mas também caprichos e até patologias que os legisladores com maior ou menor sutileza incorporaram ao texto. Antecedentes estes que dão razão ao deputado Miro Teixeira e outros que defendem a idéia de se suprimir a lei em vigor. Melhor não ter lei nenhuma do que construir um novo arcabouço jurídico, a pretexto de se assegurar a liberdade de imprensa, ou de prevenir os seus abusos. O problema são as motivações e o contexto.
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No Brasil herdamos a censura prévia e com ela o principio da lei romana de “injuria e libellus famosus” , alias, ainda presente na lei em vigor de 1967 (artigo 20 que não admite o ônus da prova no caso de “difamação” contra o Presidente e outras autoridades, mesmo sendo verdade). Quando Dom Pedro I sancionou a nossa 1º Lei de Imprensa em 1823 nenhum jornal brasileiro circulava com mais de 500 exemplares e os índices de analfabetismo no país eram de mais de 90% da população, segundo os historiadores. Ou seja, a lei preservava os interesses dos próprios legisladores, eles mesmos atores nesse processo, num contexto onde os jornais eram declaradamente partidários, faziam proselitismo e o leitor se informava apenas por indícios, as chamadas entrelinhas.
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Naquele tempo a imprensa não afetava a vida dos cidadãos como hoje, E a motivação de nossa lei primária de 22/11/1823 foi torpe. Esta escrito: “Considerando que a lei de imprensa é um dos mais firmes sustentáculos dos governos constitucionais, também o abuso dela os leva ao abismo da guerra civil e da anarquia, como acaba agora mesmo de mostrar uma tão funesta como dolorosa experiência…sendo de absoluta necessidade empregar um pronto e eficaz remédio que tire aos inimigos… deste Império toda a esperança de verem renovadas as cenas que quase o levaram à beira do precipício…”. Eficaz remédio ? Ou seja, a Lei tinha o propósito de combater um inimigo invisível, identificado por uma avaliação subjetiva, pessoal. Falar mal da igreja ou negar os seus dogmas, por exemplo, sujeitava o infrator a seis meses de prisão. Escrever sobre o Governo, se interpretado como incitação à rebelião, representava o risco de dez anos de degredo para uma província distante.
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A nossa 2º Lei (20/09/1830), também sancionada por Dom Pedro I, tinha motivações semelhantes. Ele mesmo na sua fala do trono, quando da abertura dos trabalhos legislativos, lembrara “a necessidade de reprimir, por meios legais, o abuso que continua a fazer-se da liberdade de imprensa”. A Lei apenas tipificava os abusos e sequer manteve os artigos iniciais da carta anterior que explicitavam o conceito de liberdade de imprensa. O Imperador estava no meio de uma grave crise política que resultou, no ano seguinte, na sua abdicação do trono e foi nesse contexto e com o objetivo de “limitar” a influência da imprensa que a lei foi construída. 93 anos se passaram antes de termos a nossa 3º Lei de Imprensa, a chamada “Lei Infame” sancionada por Arthur Bernardes em 31/10/1923, num contexto de Estado de Sitio e violenta repressão aos jornais. O documento é um primor da falta de sutileza: contundente na linguagem, afirmativo no seu propósito de aumentar as penas já previstas pelo Código Penal. A carta tinha o único propósito, acreditem, de elevar as penas e introduzir o conceito de relatividade das “ofensas”, a critério do julgador.
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Cadastro com endereço
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Mais tarde (14/07/1934) Getúlio Vargas sancionava a nossa 4º Lei de Imprensa. O contexto agora era uma ditadura: uma semana antes do Presidente ser confirmado no Governo, através de uma eleição indireta. A carta prioriza a matrícula das oficinas e jornais e o cadastro de todos os profissionais, incluindo o seu endereço residencial. Para que o endereço? Certamente que não era para enviar flores aos jornalistas no seu aniversário. A 5º e última Lei de Imprensa (09/02/1967), sancionada por Castelo Branco, atualizou os conceitos da ditadura de 34 para o contexto da ditadura militar. Incluiu a televisão que não existia no governo Vargas e abrangeu nas restrições, a liberdade de pensamento, conceito que foi resgatar nas leis anteriores à Revolução Francesa.
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Antecedentes, como se vê, não muito recomendáveis. Melhor não ter lei nenhuma como nos Estados Unidos onde a primeira emenda da Constituição descarta essa possibilidade, do que construirmos uma outra Lei de Imprensa para atender sabe-se lá que motivações dos governantes de plantão. Quanto ao argumento, dos defensores de uma lei reguladora, de que a imprensa afeta a vida dos cidadãos, não se sustenta. Nesse caso teríamos uma Lei de Culto, já que a religião também mexe e afeta a vida das pessoas. Dom Pedro I, conforme relatado, chamava a Lei de Imprensa de “eficaz remédio”. A história nos mostrou que tinha gosto de purgante com efeito de veneno.
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