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segunda-feira, 28 de setembro de 2009

A diferença entre ler e aprender
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Sergio Cyrino da Costa (*)
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Há alguns anos, o saber, que estava confinado a poucos afortunados frequentadores de bibliotecas e livrarias, ganhou as ruas por algumas publicações traduzidas, em bancas de jornal. Um pequeno número de revistas deu lugar a uma verdadeira explosão de imagens, termos científicos elaborados, curiosidades, literatura, desde física quântica até criação de cachorros e lutas marciais.
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Se um viajante do tempo entrasse hoje na banca da esquina, não iria acreditar que aquela barraca onde comprava suas revistas e fascículos se transformou numa babel de ofertas. Os fascículos semanais tinham um efeito curioso sobre o psiquismo do leitor: fazer que ele se imaginasse um bibliófilo, um imortal, cercado de volumes em que beberia na cultura completa do mundo. Ressalte-se aqui a palavra "completa". O formato atual traz justamente a ideia de um saber infinito, oceânico.
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Os antigos programas de perguntas da TV, como O céu é o limite e Absolutamente certo, prometiam fortunas aos candidatos que se especializavam em determinados campos do conhecimento, devorando todo o material disponível sobre o assunto escolhido. Eles despertavam a admiração da plateia pela quantidade de informações que conseguiam assimilar e reter. Quem se propõe a estes desafios já traz previamente dentro de si o hábito ininterrupto da busca por informações novas.
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O que moveria a compulsão à informação? Como já foi dito neste artigo, o homem já nasce curioso. A criança explora avidamente seu mundo imediato e vai ampliando sua capacidade de observação, à medida que se desenvolve. Enfia o dedo nas tomadas, leva os objetos à boca, move os olhos em todas as direções, acompanhando as luzes e ruídos do ambiente, extasiada com as primeiras informações que vão se acumulando dentro de sua mente.
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Um dos maiores discípulos de Freud, o brilhante húngaro Sándor Ferenczi, escreveu um pequeno trabalho em 1923 intitulado "O sonho do neném sábio". Nele, Ferenczi diz que os pacientes adultos frequentemente relatam sonhos nos quais crianças pequenas, e até bebês, são capazes de ensinar aos adultos com extrema erudição e locução perfeitas. O tema não é inédito, já que aparece em vários mitos, inclusive na história do próprio Jesus Cristo, em que ensinava aos sábios do templo. Ferenczi interpreta que estes sonhos representam o desejo da criança de ultrapassar os adultos em sabedoria e ciência, invertendo, assim, a posição de inferioridade. Um adulto que se sentiu humilhado na infância ou atualmente, também poderia desejar vingar-se dos que tivessem criticado suas palavras ou atos.
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Em muitos casos a obsessão pela informação e pelo conhecimento representa um exercício de preparação para uma contenda verbal. Traços obsessivos são absolutamente necessários à nossa organização psíquica normal. Um dos grandes méritos de Sigmund Freud foi ter percebido que as patologias mentais fazem parte dos componentes no psiquismo normal de todos os indivíduos, em doses pequenas. Tudo que aprendemos passa a ser catalogado em compartimentos de nossa mente, como gavetas de um arquivo. Algumas pessoas possuem o impulso irresistível de encher suas gavetas mentais até entupi-las de registros novos que não conseguem digerir. O colecionismo é a obsessão dos normais. Os fascículos semanais tinham um efeito sobre o psiquismo: fazer que ele se imaginasse um imortal.
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Afinal, o que quer o compulsivo por informação? Em primeiro lugar, aprender tudo, alimentar- se de conhecimento, saciar sua sede de saber. Em segundo, que este saber responda a todas as perguntas, como uma coleção de figurinhas que se completa, adquirindo os números faltantes. O problema é que, na realidade, sempre falta algo, porque o saber não é estático. Os compulsivos não se conformam com isso. Com o aumento gigantesco do acesso à informação, boa parte das pessoas liberou seu lado compulsivo adormecido.
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(*) Sergio Cyrino da Costa é psiquiatra e psicanalista.
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