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terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Raízes do cinema brasileiro
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Carlos Roberto de Souza
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Apenas recentemente, no limiar do terceiro milênio, foi possível ao Brasil conhecer com maior precisão, ter uma idéia mais clara, do que foi a produção cinematográfica do País. Isso se deu graças ao projeto, coordenado pela Cinemateca Brasileira, de um Censo Cinematográfico que tem por objetivo levantar quantos e quais filmes foram feitos no país, verificar sua existência ou desaparecimento e duplicar, em regime de urgência, os documentos cinematográficos em risco de perda por decomposição. Os arquivos de filmes no Brasil sempre padeceram de carência de recursos, e o primeiro depósito com condições adequadas para a conservação das películas só foi inaugurado em 2000.
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Para se avalizar a extensão das perdas do patrimônio cinematográfico brasileiro basta informar que, no período abordado neste texto, foram produzidos aproximadamente 4.800 filmes, dos quais apenas cerca de 300 ainda existem. A informação sobre essa produção pode ser consultada na base de dados do Censo Cinematográfico Brasileiro no endereço eletrônico: www.cinemateca.com.br/censo
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A primeira sessão de cinema no Brasil
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A primeira exibição de cinema no Brasil foi realizada na Rua do Ouvidor, 57, no Rio de Janeiro, a 8 de julho de 1896. O acontecimento foi noticiado da seguinte maneira: Omniógrafo - Com esse nome tão hibridamente composto, inaugurou-se ontem às duas horas da tarde, em uma sala à Rua do Ouvidor, um aparelho que projeta sobre uma tela colocada ao fundo da sala diversos espetáculos e cenas animadas por meio de uma série enorme de fotografias. (...) cremos ser este o mesmo aparelho a que se dá o nome de cinematógrafo. (...) Apaga-se a luz elétrica, fica a sala em trevas e na tela dos fundos aparece a projeção luminosa, a princípio fixa e apenas esboçada, mas vai pouco a pouco se destacando. Entrando em funções o aparelho, a cena anima-se e as figuras movem-se.
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Talvez por defeito das fotografias que se sucedem rapidamente, ou por inexperiência de quem trabalha com o aparelho, algumas cenas movem-se indistintamente em vibrações confusas; outras, porém, ressaltavam nítidas, firmes, acusando-se um relevo extraordinário, dando magnífica impressão de vida real. Entre estas, citaremos a cena emocionante de um incidente de incêndio, quando os bombeiros salvam das chamas algumas pessoas; a da dança de serpentina; a da dança do ventre etc. Vimos também uma briga de gatos; uma outra de galos; uma banda de música militar; um trecho de boulevard parisiense; a chegada do trem; a oficina do ferreiro; uma praia de mar; uma evolução espetaculosa de teatro; um acrobata no trapézio e uma cena íntima.
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O repertório do espetáculo é semelhante ao de várias primeiras sessões de cinema em todo o mundo. O problema da trepidação das imagens, que o cronista aponta, porém, pode ter sido provocado pela precariedade no fornecimento da energia elétrica, não apenas ao salão, mas a todo o país. A eletricidade mal engatinhava no Brasil, e durante algum tempo esse foi um dos motivos de as exibições cinematográficas não se firmarem. Até meados de 1897, entretanto, o Rio será visitado por diversas companhias de variedades que, juntamente com zarzuelas, macacos, cães, cabras, mulheres barbadas e acrobatas, apresentarão aparelhos e vistas confeccionadas fundamentalmente em Portugal, na França e nos Estados Unidos.
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A primeira sala fixa e primeiras filmagens
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A primeira sala fixa, destinada, embora não exclusivamente, ao cinema, inaugurou-se em julho de 1897, na Rua do Ouvidor, e seus proprietários eram Pascoal Segreto e José Roberto Cunha Salles – este, um conhecido explorador do jogo do bicho e outros jogos de azar e criador de um famoso Pantheon Ceroplástico. Ao lado de bonecos automáticos, caça-níqueis, bibelôs excêntricos, números de variedades e aparelhos de entretenimento científico, o Salão de Novidades Paris no Rio de Janeiro exibia também um Cinematógrafo Lumière.
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O sucesso do Salão de Novidades se firma de tal modo que, para atender à crescente demanda de novos filmes, partem emissários para os Estados Unidos e Europa a fim de adquirir novas vistas. Um dos irmãos de Pascoal, Afonso Segreto, afirma-se na função. As viagens são constantes, e as gazetas noticiam com freqüência exibições especiais com quadros inteiramente novos. Aparentemente, as primeiras imagens brasileiras foram captadas sobre película cinematográfica e exibidas ao público nesse mesmo ano. O responsável pela façanha foi o exibidor ambulante italiano Vittorio di Maio, e o evento aconteceu no Cassino Fluminense, em Petrópolis (RJ), em maio de 1897. Não existem informações sobre a projeção desses filmes em outros locais do país, e mais de um ano se passará antes de surgirem notícias a respeito de novas filmagens nacionais.
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A 19 de junho de 1898, Afonso Segreto regressava de uma de suas viagens comerciais, trazendo consigo uma câmara de filmar. Ainda a bordo do paquete francês “Brèsil”, ele tirou algumas vistas da baía de Guanabara. Teremos para dentro em pouco verdadeiras surpresas, profetizaram os jornais. A 5 de julho os irmãos Segreto filmam a visita do Presidente da República ao cruzador “Benjamin Constant” e, a partir de então, não deixam de filmar todos os acontecimentos políticos e populares cariocas, além de registrarem cenas recreativas.
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A avidez do público por novos filmes e a aceitação das vistas nacionais fazem com que Pascoal Segreto – dono também de outras salas de variedades –, cognominado pelo povo e imprensa “Ministro das Diversões do Rio de Janeiro”, monte um laboratório próprio, “de forma que daqui a poucos dias, qualquer acontecimento (paradas militares, incêndios, manifestações, etc.) será reproduzido fielmente, 48 horas depois, no animatógrafo do Salão de Paris no Rio. Todos os dias vistas novas, nacionais e estrangeiras, dos últimos acontecimentos”.
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