O papel social dos media
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Rita Lopes (*)
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Muitas são as correntes de pensamento sobre os media e especificamente sobre a posição que ocupam hoje nas sociedades contemporâneas. Dos engenheiros aos políticos, dos teólogos aos médicos, dos gestores aos jornalistas, a comunicação é objecto de debate permanente. Mas, do que tanto se fala? O que haverá para dizer sobre a comunicação, sobre os meios de comunicação social e, designadamente, sobre o jornalismo, numa altura em que eles estão cada vez mais imiscuídos numa comunidade globalizante? Numa era em que reina a suspeição, o cepticismo, a desconfiança e a incredulidade? Numa sociedade que, como refere Lucien Sfez, “não sabe já comunicar consigo própria” porque a sua “coesão é contestada”, os seus “valores se destroem” e “possui símbolos demasiado gastos que já não conseguem ser unificadores”?
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Não são, porém, estas questões que procuramos esclarecer agora, mas antes evidenciar em que medida é que essa sociedade, transformada num verdadeiro “palco de discussão”, intervém no desempenho dos media. É certo que vivemos numa sociedade light, pobre de ideias, sem memória, avessa a ideias fortes, onde há pouca consistência e muito fala-barato. É certo também que, como se diz na abertura de um dos mais recentes romances de Mário de Carvalho “assola o país uma pulsão coloquial que põe toda a gente em estado frenético de tagarelice, numa multiplicação ansiosa de duos, trios, ensembles, coros (...) O falatório é causa de inúmeros despautérios, frouxas produtividades e más criações. Fala-se, fala-se, fala-se em todos os sotaques, em todos os tons e decibéis, em todos os azimutes. O país fala, fala, fala, desunha-se a falar e pouco do que diz tem o menor interesse”.
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Ainda assim, ninguém nega a função indispensável da comunicação de massas em democracia, pelo contrário. A informação continua a ser essencial para uma boa evolução da sociedade e sabemos que não é possível existir democracia sem uma boa rede de comunicação e sem o máximo de informação livre. Todos estamos convencidos de que é graças à informação que o ser humano vive como um ser livre. E, apesar disso, a suspeita dos media. Uma suspeita que terá a ver com a forma como os media actuam na sociedade moderna. Se, por um lado, continuam a ter o mesmo poder de informar e de tornar público o que muitas vezes não sabemos que acontece ao fundo da nossa rua, por outro, estão a perder cada vez mais o seu grau de autonomia, por se deixarem manipular por outros poderes. É por isso que hoje se discute tanto se ainda se podem designar os mass media como o “quartopoder” da sociedade. Uma matéria que será analisada mais adiante.
.O campo dos media, enquanto plataforma de ligação dos vários campos sociais, padece, pois, de uma autonomia frágil. Não é de hoje, já nasceu assim, só que a fragilidade de hoje é mais nítida, porque se deixou tomar por outros interesses; porque a concentração empresarial lhe subtraiu respiração, diversidade; porque foi invadido por proveitos pessoais e políticos que o subjugaram; porque a sociedade da velocidade retira distanciamento, contexto, reflexão e rigor; porque a memória escasseia. O campo dos media é, assim, cada vez mais um espaço de cruzamento de poderes económicos, políticos, corporativos, mais ou menos visíveis, mais ou menos assumidos. A realidade mediática substitui-se muitas vezes às instituições representativas, acentua a personalização e espectaculariza o acontecimento. Os media não reproduzem uma realidade pré-existente, determinam-se reciprocamente. Não são o espelho de uma realidade exterior, antes se envolvem com a sociedade numa relação de co-produção. Assim se faz a agenda pública, se apreendem os problemas e se agita o debate.
.Neste sentido, um pouco crítico mas, no nosso entender, adequado, importa questionar que papel social se pode atribuir aos mass media? “Provisoriamente, julgamos que o papel social representado pela mera existência dos mass media tem sido grandemente superestimado”. Mas a que se deve este julgamento? Se os media ocupam um papel principal na formação da nossa sociedade, atingindo uma vasta plateia, então porque são objecto de tanta crítica e preocupação popular? “Porque tantos se afligem com os problemas criados pelo rádio, o cinema e a imprensa e tão poucos se preocupam com os problemas criados pelo automóvel e o avião, por exemplo?”. Esta questão pode não ter nada de interessante, mas há uma lógica que lhe está subjacente e que se prende com o facto de muitos fazerem dos media um alvo de crítica hostil porque se sentem logrados pelo rumo dos acontecimentos. Recordemos o ainda recente processo “Casa Pia” que continua a ser um dos acontecimentos mais mediáticos dos últimos tempos em Portugal e que tem motivado imensos críticos e envolvidos neste caso a acusar a comunicação social pelo enredo que se criou e tem criado à volta das crianças e, sobretudo, dos políticos.
.(*) Universidade da Beira Interior (Portugal)
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