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quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Jornalismo e Literatura

Compreender o uso, pelo Jornalismo, de narrativas literárias implica observar que estamos falando de uma diferença que estabelece diferenças, nos moldes propostos por Niklas Luhmann em sua releitura da Teoria dos Sistemas. Ou seja, que a (re)aproximação de campos do conhecimento antes complementares que antagônicos, caso do Jornalismo e da Literatura, faz emergir novas e sucessivas realidades, que, por sua vez, complexificam tanto o que é próprio do Jornalismo como da Literatura, reconfigurando cenários e exigindo novos paradigmas e gramáticas explicativas de um e de outro.
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Vejamos o que ocorre, a título de exemplo, com os jornais impressos, em particular os de periodicidade diária. Se ainda veiculam, hegemonicamente, relatos concisos, objetivos, fincados em acontecimentos se realizando, deparamo-nos frequentemente com narrativas prolixas, de caráter interpretativo, ou diversional, escritas muitas vezes sem preocupação aparente de anunciar nenhuma novidade; focadas, antes, em entreter que noticiar, em contar histórias peculiares.
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Uma explicação breve: por diversional e interpretativo vamos entender o jornalismo que, por meio de recursos da narrativa literária, busca algo mais que apenas informar, ainda que também o faça. “Diversional”, nesse caso, refere-se antes a “diverso”, “diferente”, que “diversão”. O livro Abusado, de Caco Barcelos, por exemplo, enquadra-se nessa categoria. Já “interpretativo” está ligado a textos que, pelo viés de seus relatos, permitem uma explicação mais aprofundada dos fenômenos em questão. É o que ocorre com Rota 66 – A história da polícia que mata, do mesmo Caco Barcelos. A diferença entre uma e outra categoria é que a segunda usualmente está ligada ao acontecimento se realizando - uma reportagem sobre pessoas mortas pela polícia, por exemplo.
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É o que observa a pesquisa em andamento, realizada em parceria entre o Departamento de Comunicação e o Programa de Pós-graduação em Letras da Unisc. Durante 30 dias, os pesquisadores envolvidos no levantamento analisaram as páginas de dois dos principais jornais diários do Estado – Gazeta do Sul e Zero Hora – e concluíram, entre outros, que textos das categorias diversional e interpretativo não são mais exclusividades quase que somente das revistas e dos livros-reportagens. Eles incidem com muita frequência no jornalismo diário também, e isso é diferente. Ou seja, o uso de recursos próprios da literatura em textos jornalísticos, caso das subjetividades, jogos de linguagem e digressões, para ficarmos em três, até então usual em revistas impressas e livros-reportagem, está presente – e muito – em veículos que se renovam a cada 24 horas. E que são feitos, portanto, para serem consumidos rapidamente, diferentemente do que ocorre com seus pares impressos. Trata-se de uma espécie de (um bom) paradoxo.
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Há um motivo relativamente claro para textos dessa natureza frequentarem antes páginas de livros e revistas que jornais: a periodicidade. Como textos ditos “literários” são mais elaborados que as notícias, e exigem, portanto, redação e leitura mais cuidadosas, já que o ideal é que o dispositivo em que são veiculados não tenha vida breve. Uma semana, um mês, uma vida (no caso dos livros): conteúdos diferenciados exigem tratamento específico, em especial quando falamos de uma forma de conhecimento cuja produção de textos não prescinde de intencionalidade (escrever para alguém) como ocorre com a literatura (escritores escrevem para si mesmos em primeiro lugar). Mas por que, então, essa metamorfose está ocorrendo justamente com os jornais impressos diários? Dentre as explicações possíveis, e é nessa direção que se movem os passos da pesquisa referida anteriormente, é que esse fenômeno se presta, em primeiro lugar, para fortalecer a identidade dos jornais impressos. Para quê? Basicamente para que eles sejam reconhecidos, e aceitos, a partir do que são, e não apenas do que relatam.
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Interessa, por esse viés, cada vez mais, veicular informações de forma original, criativa, que simplesmente dizer o que houve. Seduzir o leitor, enfim. Por um motivo igualmente simples: todos os demais veículos ou já disseram o que houve, ou haverão de dizê-lo mais cedo ou mais tarde. Então, é preciso dizer diferente. Não se trata de fenômeno recente: basta lembrar que, em seus primeiros dias, ainda no século 17, o jornalismo opinativo era resultado principalmente do trabalho de escritores e políticos. Mesmo mais tarde, às vésperas do século 20, quando o fazer jornalístico desenvolve especificidades que nos permitem reconhecê-lo como tal, os escritores seguem se valendo das páginas dos impressos para: a) tornarem-se conhecidos e b) ganharem algum dinheiro, sempre necessários. Tempos difíceis para as duas partes, fidedignamente retratados por Honoré de Balzac em As ilusões perdidas. O que mudou, então?
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A sociedade, e, com ela, o jornalismo e a literatura. No cerne dessa transformação, que é de natureza tecnológica, mas também sócio-discursiva, observa-se o amalgamento do sistema midiático-comunicacional (composto pelos jornais, revistas, televisões, rádios, sites etc.) por meio dos nós e conexões da internet. Interligados, os dispositivos permitem que as informações circulem mais e mais rapidamente, complicando a viabilidade dos veículos justamente por torná-los iguais aos demais. Uma saída é se tornar diferente, ímpar, criativo e necessário, atributos possíveis, no caso dos jornais impressos, por meio do uso de técnicas literárias incorporadas às jornalísticas.
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FONTE: http://www.gaz.com.br

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