Loading

segunda-feira, 12 de abril de 2010

A expressão radiofônica de uma cartografia sonora
.

Cida Golin
.

A partir da Revolução Industrial, segundo Schafer (2001), a paisagem sonora tornou-se cada vez mais lo-fi (low fidelity), ou seja, congestionada pela quantidade de sons e suas interferências conflitantes. Ao contrário da paisagem hi-fi (high fidelity), em que é possível uma escuta focada, em perspectiva, a anarquia da paisagem sonora pós-industrial, típica das grandes cidades, favoreceu uma surdez progressiva, comportamentos de não-escuta, a desatenção do sujeito com seu entorno sonoro. Uma das características da paisagem lo-fi é a presença do som contínuo, de baixa informação e altamente redundante. Ao contrário dos sons naturais, a sonoridade artificial da máquina tem uma linha plana e contínua.
.

Segundo Wisnik (1989), o mundo mecânico e artificial da vida urbano-industrial é feito de estridência, de choque, influenciando a história da música ao longo do século XX. Eric Satie (1866-1925), por exemplo, utilizou a máquina de escrever como percussão e as sirenes e tiros de revólver, como teclados. Ao fazer de sua música um contraponto ao barulho do ambiente, o músico antecipou o padrão de escuta típico do modelo repetitivo da indústria: apenas um pano de fundo, ocupando uma faixa secundária de atenção do sujeito. O desenvolvimento técnico e a proliferação dos meios de produção e reprodução sonora influíram diretamente na concepção da música concreta e da eletrônica. O ruído é um índice da música e do habitat moderno.
.

A ordem expressa nos centros urbanos, no entanto, traduz-se na ausência do contato. Os grupos reúnem-se em pólos comerciais, mais preocupados em consumir do que qualquer outro propósito mais complexo, político ou comunitário. “O individualismo moderno sedimentou o silêncio dos cidadãos na cidade. A rua, o café, os magazines, o trem, o ônibus e o metrô são lugares para se passar a vista, mais do que cenários destinados a conversações”.
.

Na medida em que a cidade perdeu a característica de favorecer o diálogo, conforme Munford (1998), transformou-se em espaço de uma luta semântica. Há uma disputa entre interesses comerciais, estéticos e históricos, buscando neutralizar, perturbar ou modificar a mensagem dos outros, “e subordinar os demais à própria lógica, são encenações dos conflitos entre as forças sociais: entre o mercado, a história, o Estado, a publicidade e a luta popular para sobreviver”. O espaço urbano se transformou em um circuito de informação e comunicação, com predominância da imagem e da escrita luminosa, em detrimento do som.
.

Walter Benjamin, leitor de uma cidade agônica expressa na poética de Baudelaire, é autor da Trilogia berlinense, composta por uma série radiofônica sobre a cidade de Berlim (1929-1930), e pelos textos Crônica berlinense (1931-1932) e Infância em Berlim por volta de 19002. Na série dirigida a adolescentes, Benjamin utiliza uma variante do chamado tableau, da crônica, adequando-a ao novo veículo sonoro. Percorre-se a cidade pelo olhar de um menino de rua (o flâneur de Paris) atravessando ruas e parques, brinquedos e locais de trabalho em que jovens mecânicos produzem locomotivas para o mundo.
.

FONTE: A Expressão Radiofônica de uma Cartografia Sonora:
estudo da série Porto Alegre, paisagens sonoras.
.

Nenhum comentário: