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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

América Latina: arte no circuito internacional
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Leonor Amarante
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Antes de qualquer reflexão que se faça sobre arte contemporânea, primeiro há que se afirmar que não existe uma arte latino-americana, e sim uma produção realizada por artistas nascidos ou radicados em países da América Latina. Esse equívoco já permitiu, em outras décadas, que os centros hegemônicos se dessem o direito de determinar o que era, ou não, obra de arte contemporânea e minimizar tudo o que vinha do Continente. Hoje a situação mudou e os artistas da América Latina estão mais presentes nas exposições internacionais realizadas por bienais, galerias e instituições culturais nos cinco Continentes.
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Nos últimos anos, a discussão entre universalismo e localismo foi intensificada, e alguns artistas transcenderam a discussão e se posicionaram com destaque frente à chamada arte internacional. Ainda jovens, alguns deles chegaram ao mercado mundial e fazem parte de uma constelação que dá brilho ao circuito internacional. Os artistas aqui reunidos, nos últimos anos encontraram seus caminhos e hoje se destacam no cenário.
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A pintura da brasileira Beatriz Milhazes faz a cabeça da América: ela tornou-se, nos últimos tempos, a preferida dos colecionadores de arte. O colorido explosivo de suas telas às vezes é identificado com as cores vibrantes do Brasil. Ela se movimenta no limite do decorativo com atitudes libertárias e se impõe no mercado, resistindo às várias vertentes abstratas. As pinceladas singulares, com gestos precisos, nascem a partir de elementos figurativos. Formalista para alguns e romântica para outros, ela compõe “arabescos” apoiados por várias superfícies de cores vivas e justapostas. Beatriz hierarquiza a figura e a submete a ritmos distintos, espontâneos e livres. Talvez seja a chave do sucesso da artista, hoje disputada pelos colecionadores de vários países. A lógica do realismo exige que se entenda o processo estético do ponto de vista da matéria e Beatriz a domina globalmente.
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Se a pintura ainda seduz colecionadores, grandes exposições como bienais continuam inundadas de performances e instalações. Revezando-se nessas duas poéticas, o mexicano Peña Gómez coloca em xeque o “sistema de arte”. Polêmico e vulcânico, é um dos expressivos representantes do espírito vanguardista de experimentalismo estético e comportamental. Ele transpôs o circuito institucional de museus e galerias e ganhou as ruas com ações que geram estranhamento. Faz da inventividade e do prazer, combustíveis de suas instalações/performances, nas quais o público é protagonista. Suas críticas político-sociais chegam a confundir o espectador, que não sabe se está assistindo a um teatro, uma manifestação política ou a uma simples intervenção na rua.
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Com trânsito pelas Américas, Jorge Macchi é um dos artistas argentinos expressivos da atualidade. Gerardo Mosquera, crítico cubano e diretor do Novo Museu de Arte Contemporânea de New York, o considera o argentino mais influenciado pelos brasileiros. No Brasil, seu trabalho se impôs depois da participação no Panorama da Arte Brasileira, organizado pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo - MAM e na individual na galeria Luísa Strina. Embora intimista, ganhou notoriedade na Bienal de São Paulo, palco ideal para as obras de grandes dimensões. Multimídia, Macchi começou nas artes estudando piano, portanto não é por acaso que a música aparece em trabalhos seus em parceria com músicos.
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Crítica social, humor e grafismo eletrônico movem o trabalho de Martin Sastre, o jovem uruguaio, autor de obras pontuais que adensam o repertório de estratégias capazes de ajudar a compreender o momento social e político da América. Sastre alavancou sua trajetória depois de participar da II Bienal do Mercosul, onde realizou a primeira obra sobre o atentado de 11 de setembro a ser exibida numa exposição de grande porte. Fundiu cenas do filme E O Vento Levou com imagens das Torres Gêmeas transmitidas pela TV no momento do acidente. Sastre usa uma linguagem internacional para chegar a uma problemática local, e utilizando humor e versatilidade no registro dos acontecimentos metaforiza o que é real e discute tanto o papel como a identidade do artista contemporâneo.
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O cotidiano também interessa ao chileno Patrick Hamilton. Sua “pintura” une sociedade e cultura num discurso visual direto, com gramática utilizada pela publicidade. Seu universo é povoado por objetos do cotidiano, como serrotes, facas, machadinhas, que ele glamouriza com superfícies estampadas, criando “natureza mortas” trabalhadas a partir da fotografia e, como ele mesmo afirma, sarcasticamente, “prontas para a foto”. Hamilton dá novas formas às imagens já existentes do mundo para ressaltá-las, sugerindo uma leitura mais precisa da realidade. Seus objetos harmonizam imagens recolhidas nos meios de comunicação massivos, para criar outra leitura da realidade, convertendo-a muitas vezes em discurso sócio-político.
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Com novas identidades, esses objetos assumem outros desafios estéticos, colocam em xeque os avanços da cultura globalizada que banaliza os imaginários concebidos em formato de mercado. Seu imaginário discute as padronizações de memória e a neutralização do presente, transformando-os em clichês, quase publicitários. Toda obra de arte é uma composição e decomposição do momento do artista, do lugar onde ela é gerada e consumida. Assim se passa com a produção feita na América Latina. Podemos imaginá-la eterna no circuito de arte, mas não podemos esquecer que cada obra tem seu tempo e momento de existência. Seja latino-americana ou não.
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FONTE: www.memorial.sp.gov.br/revistaNossaAmerica
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